O Espaço do Silêncio, por Maê Nascimento

Este trabalho pretende refletir sobre o processo psicoterapêutico em geral e a Bioenergética em particular, considerados dentro de um contexto bastante amplo. Deste contexto fazem parte recentes descobertas da Neurociência, a introdução do conceito de Self, revisões de conceitos como Saúde e Doença – tudo isto visto sob o prisma do novo paradigma do conhecimento.

De modo especial, quero introduzir o conceito de Espaço do Silêncio, componente a tornar-se essencial no novo papel do terapeuta. Ele consiste em um espaço interior, a ser conscientemente acionado pelo terapeuta, de modo a fazer cessar toda interferência de origem egóica que se interpõe na comunicação com o cliente. Propicia uma percepção isenta sobre toda informação que circula na relação terapêutica e culmina numa atitude compassiva e amorosa.

Palavras-chave: Energia vital, totalidade, percepção isenta

A Pessoa na Psicologia Moderna

A Psicanálise foi a primeira tentativa de formulação de uma teoria e um método psicológico científicos para descrever o funcionamento psíquico e promover a cura.

Pela sua formação em Neurologia, Freud trouxe, de modo revolucionário para sua época, a ligação do psíquico com o biológico e pode ser considerado o pai da Psicossomática.

Não por acaso, ele postulou a sexualidade como núcleo central do funcionamento psíquico, e as psicopatologias por ele descritas tinham origem e manifestação somáticas.

No entanto, por ter ele vivido numa época de moral muito fechada, cujos valores restringiam a expressão vital do indivíduo, seu método psicanalítico refletia um clima quase de “alcova”, onde tudo parecia ser segredado. O que era reprimido (que, segundo Freud, era sempre sexual) tinha a ver com uma vitalidade natural, que não podia ser sequer experimentada, quanto mais valorizada.

Assim, a ousadia de Freud ao DES – COBRIR a sexualidade refletiu um sucesso apenas parcial, pois a natureza sexual ( e portanto biológica) do funcionamento ( e mau funcionamento) psíquico era analisada e compreendida somente no plano mental. Esta situação refletia, na teoria e técnica psicanalíticas, como se encontrava restringida a qualidade erótica do ser humano. Foi Reich quem, em sua visão de vanguarda, sugeriu o caminho da vitalidade e do prazer como o que libertaria o homem para expressar-se em magnitude muito mais ampla. Com seu conceito de IDENTIDADE FUNCIONAL , integra o biológico (corporal) e o psíquico numa totalidade pela qual se expressa a existência do indivíduo . E cria o conceito de energia vital, que é a mesma no homem e em todo o cosmos – é uma energia universal : o orgone.

No entanto, fatores culturais repressores em vigor naquele momento atingem talvez seu grau máximo com o Nazismo e a Segunda Guerra, quando há a tentativa de submeter toda a força vital do desejo e do prazer ao controle de uma mente desconectada. Essa tentativa se configurou de tal forma tanática que, no período que se segue, surgem movimentos que trarão uma verdadeira revolução de costumes e valores. Esses movimentos aparecem em todos os campos e têm seu auge na década de 60, quando há uma apologia das manifestações de vitalidade e prazer, da recuperação dos sentidos e da sensualidade, nas expressões do corpo.

Esses movimentos lutavam por princípios como paz e amor, liberdade sexual, experiências comunitárias, igualdade entre os sexos – e tinham na liberdade o fator mais importante para a realização da humanidade. Os movimentos “hippie”, pelo sexo livre, pela liberação da mulher e igualdade entre os sexos pareciam apontar para um novo ser humano, mais integrado e amoroso. 

Na Psicologia, as mudanças também se fizeram sentir. Em consonância com os anseios que emergiam, novas teorias e técnicas terapêuticas surgiram nessa época: Psicodrama, Gestalt, Esalem (terapias alternativas) e também a Bioenergética, que apontavam para um funcionamento integrado das sensações, sentimentos, afetos e razão, numa totalidade existencial abrangente. Tudo era muito novo, e as pessoas começavam a empreender um aprendizado a respeito de si mesmas que parecia propiciar uma experiência de vida muito mais autêntica e rica.

O Contexto Terapêutico

Diz Daniel Goleman : “ A teoria psicológica é moldada pela autobiografia : a história pessoal dos teóricos influencia, de maneira direta, a articulação de suas teorias…”
Talvez isto ajude a explicar porque determinadas características pessoais dos autores são tomadas como parte do modelo de terapeuta proposto em suas teorias.

Freud e Reich – só para tomar o exemplo de dois expoentes – eram dois homens fortes, obstinados, assertivos, que acreditavam profundamente nas postulações que traziam. Por suas grandes inovações teóricas, sofriam grande resistência – tinham que lutar para dar a conhecer seus pontos de vista, e o faziam de modo consistente e enérgico.

Podemos dizer que a Bioenergética, que era baseada na teoria reicheana, trazia também novidades a respeito da energia e de formas de trabalhar com ela. Por ser essa uma matéria de aprendizado sutil e profundo, demandava uma atenção vigilante e contínua. Essa seria uma possível razão para que a postura firme e assertiva de seus autores – A. Lowen e J. Pierrakos , tenha sido tomada, durante algum tempo, como parte dos requisitos da postura do terapeuta.

Além disso, aquela era uma época (anos 70) de enorme abertura e mudança, e talvez fosse necessário um balizamento para as novas formas de agir e se relacionar. Portanto, um terapeuta forte e decidido, manejando uma técnica “assertiva” trazia aos clientes e discípulos uma sensação de segurança no novo caminho a ser trilhado.

Hoje, algumas décadas depois, o contexto mundial mudou e também as necessidades humanas. O momento atual demanda diminuição da interferência do mundo externo, que se tornou excessiva, para que as pessoas busquem dentro de si mesmas as respostas que, no passado, aspiravam obter das figuras parentais instituídas (entre elas, o terapeuta).

Panorama atual do conhecimento

Estamos às voltas com um novo paradigma, mas antes de falar sobre essa mudança, vamos analisar nosso processo de conhecimento. Se fizermos uma revisão histórica, vamos perceber que somos herdeiros de uma longa cadeia evolutiva, permanentemente em construção.
“A forma espiral reflete a nossa trajetória – pessoal e coletiva, de desenvolvimento: há um processo evolutivo ascensional em nossa existência, no qual os estágios anteriores dão suporte para a emergência de estágios posteriores”.

Pesquisadores em Psicologia são unânimes na identificação dessa direção do desenvolvimento do indivíduo, que vai do menos diferenciado para o mais diferenciado e para o uno (integração /totalidade); da “anomia” (estado fusional) para a “autonomia” (identificação pessoal), como se refere Piaget.

Ao longo da história, a humanidade foi criando paradigmas, rompendo-os, criando outros. Os paradigmas são organizadores do pensamento no processo de conhecimento do Universo, e quando um é descartado para dar lugar a outro, o conhecimento proporcionado por ele não desaparece – é transformado.

A Física é talvez a disciplina que melhor se encaixa no modelo de Ciência, e sua abordagem influencia todas as outras. Até meados do século XX, vivíamos num universo cartésio-newtoniano (Descartes e Newton), que era sólido, previsível, governado por um conjunto de regras definidas. O conceito de realidade só se aplicava àquilo que se pudesse demonstrar por equações matemáticas.

Com o advento da Física Quântica, descobriram-se as partículas subatômicas (menores que o átomo – algo impensável na Física Newtoniana), que não são compactas ou sólidas, mas existem potencialmente (quer dizer, com certa probabilidade) em função da combinação de outras partículas. Daqui, derivam dois dados fundamentais para provocar grande transformação no processo do conhecimento:

1) – O universo, hoje, apresenta-se como uma “matéria” mutável, imprevisível, que não existe em lugares definidos, mas apenas como probabilidade (tendência) de existir.

2) – O observador é parte inseparável do fenômeno observado, sendo que ele – através do ato de observar, “fixa” aquela realidade naquele tempo e espaço.

“A Física Quântica nos oferece uma sustentação na natureza material para intuições e fenômenos que sempre existiram em todas as áreas (principalmente nas Ciências Humanas), mas que por muito tempo não tiveram o status de Ciência, pois… não produziam equações matemáticas absolutas”.
Assim, deu-se mais um passo na direção de compreender a realidade como Consciência, a qual se manifesta na consciência individualizada (em cada um de nós) e na consciência coletiva da humanidade.
“A Consciência organiza o campo para que o fenômeno seja observado”.

Essa nova perspectiva traz uma grande ampliação ao campo de conhecimento da Psicologia. Conceitos chave como saúde / doença/ cura têm sido reavaliados e estão mudando rapidamente.

Na Psicanálise de Freud, a noção de “normalidade” estava associada ao grau e à forma de estruturação do ego nos primeiros anos de vida. O parâmetro de saúde era associado ao tipo de solução edípica, isto é, a como o indivíduo introjetava a Lei do Pai. Esta representa, basicamente, as regras sociais e padrões culturais da vida em grupo – regras estas que são aplicadas aos desejos instintivos, de modo a condicionar sua realização a formas e circunstâncias adequadas. Como o Ego é o responsável pela mediação entre o indivíduo e o mundo externo, é ele que vai determinar seu grau de ajustamento ou desvio do código moral/social.

O Ego, então, tem a ver com a imagem social, com o que é esperado de cada indivíduo em determinado tempo e lugar – e, portanto, é o resultado de um processo de condicionamento.
Na teoria de Reich, assim como na Bioenergética, os conceitos de caráter e couraça ilustram bem a magnitude funcional do Ego – que constrói uma personalidade baseada em mecanismos defensivos para estar no mundo de forma “aceitável” e menos dolorosa para o indivíduo.

Fundamentos da Neurociência

“O Self pode ser entendido como um princípio integrador, que opera em todo nível de desenvolvimento… Como princípio organizador, guia a evolução rumo à totalidade, e a percepção dele pode ser uma fonte de cura e inspiração”.

A questão do Self como uma partícula individualizada da totalidade do Universo, já não pode mais ser considerada, como até um passado recente, uma matéria de conhecimento da Filosofia ou da Religião.
Como já dissemos, a nova metáfora se refere a uma realidade que não existe, fixa e definida, fora de nós, mas como uma realidade potencial que “toma forma” de acordo com nossa observação e percepção. Esta perspectiva pode ser atestada pelas pesquisas recentes a respeito do sistema nervoso (Neurociência), cujas descobertas serão referidas aqui para ajudar-nos a compreender a nova visão do mundo.

Por muito tempo até os anos 60, havia uma visão limitada do Sistema Nervoso Central como um sistema de comunicação elétrico, onde a transmissão nervosa se dava exclusivamente através de sinapses – descargas elétricas de um neurônio a outro – onde os impulsos viajavam ponto a ponto. Considerava-se, então, que o cérebro elétrico era o responsável pelo intelecto e pela consciência. Se esse se definisse como seu real funcionamento, haveria um limite intrínseco ao que poderíamos conhecer, aprender e manifestar, pois a extensão de nossa capacidade intelectual e cognitiva seria delimitada pelo número de terminações nervosas.

Tudo muda, porém, a partir dos anos 70, quando são descobertas no organismo, substâncias químicas às quais se denominou transmissores e receptores, que formam uma verdadeira rede de informação.

“Transmissor é o termo usado para qualquer substância, natural ou sintética, que se conecta, seletivamente, ao seu próprio e específico receptor, na superfície de uma célula… Esse transmissor, chocando-se e encaixando-se [ao seu receptor] é o que chamamos de ligação – e nesse processo, transfere a mensagem, via propriedades moleculares, ao receptor… Esses transmissores são produzidos e circulam pelo corpo todo, e encontrando seus receptores, se ligam e desligam em rede, simultaneamente, transmitindo informação… Basicamente, os receptores funcionam como moléculas sensitivas ou sensoriais… atuam como órgãos dos sentidos, porém em nível molecular. Eles pairam em nossas membranas celulares, dançando e vibrando, esperando para captar mensagens de outras criaturas vibradoras que vêm cruzando pelas redondezas [das células]… algo que está sempre se movendo, dançando de um jeito rítmico e vibratório… e essa “chave” química que atraca no receptor e faz com que ele dance e balance…é o transmissor…O processo de ligação é muito seletivo…de fato, ele ocorre como resultado da “especificidade do receptor”, querendo dizer que o receptor ignora todos os transmissores que não sejam aquele particular que é feito para ajustar-se a ele.” (Candace Pert – neurocientista pesquisadora).

Esta é uma descrição fascinante do funcionamento da rede de informações que se dá pelo corpo todo, provendo uma base bioquímica para as emoções. A descrição da pesquisadora coincide deliciosamente com a descrição feita do movimento de pulsação da energia vital – no corpo e no cosmos.

No início dos anos 80, esses transmissores e receptores vieram a ser conhecidos como “moléculas da informação”, gerando um sistema de linguagem das células para a comunicação entre sistemas como o endócrino, o neurológico, o gastrointestinal e o imunológico.

Os peptídeos, categoria de transmissores que abrange 95% do total, têm um amplo papel regulando todos os processos vitais, e são chamados moléculas da emoção.

Podemos ver que o sistema de informação do “cérebro bioquímico” traduz a noção de totalidade e integração. Além disso, a capacidade para expandir o conhecimento é ilimitada.

Ainda mais com a informação fazendo parte do processo, vemos que há uma Inteligência dirigindo os sistemas e criando comportamentos – nada aleatório e casual, tampouco egóica, conceitual ou intelectual (cérebro elétrico) – Inteligência no sentido de ordem, harmonia e sentido. Esta Inteligência não é “do humano”, mas existe além dele – existe no Universo, e organiza todas as coisas.

Novos conceitos – Novo Ser

Ampliando significativamente a perspectiva de ser, autores contemporâneos têm-se referido ao conceito de Self, embora com sentidos variados.
O Self a que me refiro neste trabalho tem relação direta com o da Psicologia Analítica (de Jung) e com a Psicologia Transpessoal e sua principal característica é a visão de totalidade.

“ Um indivíduo é uma parte do todo por nós chamado de “Universo” – uma parte limitada no tempo e espaço. Ele experiencia a si próprio, a seus pensamentos e suas emoções como algo separado do restante, como um tipo de ilusão de ótica da consciência”
A. Einstein ( – citado em T Goldstein – “ The experience of insight”)

Somos, então, parte dessa totalidade indivisível que constitui a totalidade do Universo. Dentro desse todo, cada ser humano pode vivenciar a si próprio como um Self independente e separado em busca da totalidade. O Self abarca tudo que o indivíduo é – o que engloba também o que ele é potencialmente, além daquilo que aprendeu a manifestar. Pode ser descrito como um manancial infinito de recursos, que, em condições apropriadas, podem se desenvolver e manifestar.
Segundo Jung

“Ninguém sabe o que é o Self por ele ser justamente o que não se é – ele não é o ego. O ego descobre a si mesmo como um simples apêndice do Self, num tipo livre de conexão”.

Numa abordagem semelhante, J. Pierrakos descreve a Essência (ou “core”) :

“A Essência é o núcleo da vida universal individualizada… é a capacidade humana total, uma massa vital e luminosa, a fonte e a Consciência da força vital”
Como se pode observar, já estamos operando conceitualmente dentro do novo paradigma.

Novos parâmetros de Saúde, Doença e Cura

A partir dessa nova perspectiva, a saúde caracteriza um ser que tem integrados todos os seus aspectos.

“ A perfeita saúde psicológica está inextricavelmente ligada a todos os demais aspectos do bem-estar. A totalidade, portanto, depende de uma integração equilibrada dos níveis de consciência físico, emocional, mental, existencial e espiritual “.

O mundo em que vivemos atualmente é caracterizado por um nível excessivamente intenso de movimento e de ruído, e as pessoas, pelo menos no mundo ocidental, tendem a tentar “acompanhar” esse ritmo. Isso faz com que a atenção fique predominantemente voltada para fora, na busca da aquisição crescente de poder e status, de sucesso e de bens materiais. Essa condição leva à fragmentação do ser e a uma progressiva perda de conexão com o próprio Self, com o próprio ser mais profundo e verdadeiro, e é resultado da identificação do indivíduo com o Ego. Pode-se, então, considerar esta como uma nova forma de definir disfunção ou doença.

Com isso, a pessoa, que tem o Ego como o condutor de seu funcionamento, restringe seu potencial às emoções, sentimentos e pensamentos que são aprovados, reprimindo e negando todos os sentimentos que fogem de seu controle e que possam trazer conflito e sofrimento. Esse processo interfere no nível da energia vital, bloqueando-a e congelando-a, impedindo as manifestações mais autênticas e peculiares daquele indivíduo. Como já sabemos através de Reich e da Bioenergética, o fluxo unitário da energia vital se torna fragmentado, distorcendo o movimento natural em todo o organismo. Além disso, muito da energia que, naturalmente livre, seria empregada no auto-conhecimento e na expansão da consciência através da experiência, se consome na manutenção dos bloqueios. A pessoa fica “fixada”, desvitalizada e impossibilitada de crescer enquanto ela mesma.

“Do ponto de vista de nossa substância básica, a causa fundamental da disfunção humana é a negação do movimento natural da energia no interior do organismo. A disfunção é expressa em padrões de negação, que mostram características comuns, mas são combinados de forma única em cada indivíduo” como afirma Pierrakos.

A cura, de acordo com esta abordagem, implica na desidentificação do Self com o Ego e na restauração da conexão do indivíduo com seu Self e com seu fluxo vital de energia, cujo padrão natural pode ser encontrado no funcionamento do Universo, assim como em cada parte dele. O fluxo livre da energia é a possibilidade de realizarmos tudo o que somos em nosso ser e o contato com o Self (com a Essência), propicia essa realização através da consciência.
Esse processo traz consigo a recuperação, para a pessoa, da noção de totalidade – dentro de si e com o Universo.

O Novo Processo Terapêutico

O desenvolvimento do processo de desidentificação do Ego para a reconexão com o Self é complexo e está além dos objetivos deste trabalho. O que queremos demonstrar aqui, é que essa nova perspectiva requer uma mudança importante na atitude interna do Terapeuta, que se refletirá necessariamente em sua postura junto ao Cliente. 

Como já mencionamos, o trabalho de cura envolve a mobilização da energia bloqueada, juntamente com a conscientização e integração de seus respectivos conteúdos psíquicos. Isto coloca a Bioenergética em posição privilegiada para trabalhar neste processo, uma vez que a observação e o conhecimento a respeito do fluxo energético no corpo são seus principais instrumentos terapêuticos. 

No entanto, além do conhecimento, o terapeuta bioenergético precisa observar algumas condições importantes na relação terapêutica, que sobrevirão como decorrência de sua própria (nova) atitude.

Em primeiro lugar – e esta é uma mudança radical com relação à figura do terapeuta que funciona como guia de seu cliente – partimos da premissa de que o cliente conhece seu Self e, portanto, é ele que indica o caminho a ser seguido. Esta indicação, não é, entretanto, mental/egóica, mas energética: a energia segue sua direção própria. Para isso, o terapeuta deve estar numa posição que é muito mais de escuta e observação do que de condução do processo. Para que ele possa escutar, de fato, tudo o que o cliente expressa – explícita ou implicitamente, o terapeuta deve fazer cessar toda a tagarelice mental vinda do seu ego, que é caracterizada por avaliações, inferências e juízos. Ao fazê-lo, o terapeuta também estará em conexão com seu Ser mais verdadeiro, e estará aberto para receber, compreender e acolher tudo o que vier do cliente.

Para compor essa atitude básica de escuta, o terapeuta deve ativar conscientemente em si mesmo o espaço do silêncio. A partir deste lugar, sua percepção – de si mesmo e do outro, ocorre de maneira fluida, isenta e livre de interferências. A partir dessa percepção, o terapeuta observa o processo do cliente, identificando que tipo de ajuda este precisa a cada momento e dispondo de si para fazer o que se fizer necessário.

O Espaço do Silêncio

Quando o terapeuta vai para o espaço do silêncio, duas importantes consequências se fazem notar:

1) O terapeuta estará, ele próprio, numa condição de totalidade, sem divisões ou conflitos e esse fato, em si, provocará por ressonância um estado semelhante no cliente. Este terá, então, maior disponibilidade para enfrentar seus conflitos e contradições, com a confiança de que o terapeuta estará lá para ele.

2) O fato de estar totalmente presente através de uma percepção isenta e não julgadora, propicia ao terapeuta uma disposição verdadeiramente respeitosa, compassiva e acolhedora em relação ao cliente. E isto é, na verdade, o que o cliente precisa encontrar no terapeuta, pois neste contexto não há certo/errado, bom/mau – quer dizer, não há divisão, e sim aceitação e integração do que é verdadeiramente seu, expressão de seu Self ou essência.

O espaço do silêncio é, então, essencial para que o processo de auto-conhecimento e integração possa acontecer. Em decorrência desta atitude básica do terapeuta em relação ao cliente, uma relação de respeito, confiança e crescimento mútuos se estabelecerá entre os dois.

Como chegar ao Espaço do Silêncio

O espaço do silêncio deverá ser ativado de modo consciente pelo terapeuta.
Para isso, ele deve focalizar sua atenção na respiração, no percurso do ar pelas costas através da medula espinhal. Nesta respiração consciente, a expiração deve ser maior que a inspiração. Depois de alguns minutos fazendo essa respiração, o fluxo habitual de pensamentos (da instância mental, do Ego) dá lugar a um espaço progressivamente mais silencioso e livre de interferências. Surge aí um espaço vazio, disponível para acolher toda informação que emerge a partir da relação terapêutica. Como esse fluxo não está sob o comando do Ego, a percepção resultante é muito mais abrangente e isenta.
Por ser bastante diferente da convencional, esta respiração exige que se mantenha a atenção, – o que reforça a intenção e garante que o terapeuta esteja totalmente presente.

“O trabalho de levar atenção, através da respiração consciente, ou do toque que mobiliza a atenção, permite que a intenção possa atuar num encontro que cura”

É claro que o terapeuta se defrontará, em algum momento, com as resistências do cliente, que tentarão impedir o resgate de sensações dolorosas. Ao identificá-las, o terapeuta ajudará o cliente a compreendê-las e superá-las, tornando o caminho livre para o auto-conhecimento. Distinguir manifestações defensivas da expressão do verdadeiro ser é função da competência e responsabilidade do terapeuta. Para estar à altura desta função, o terapeuta deve estar aberto para acolher todas as informações de maneira isenta e sem julgamento, pois só assim, ele permitirá o crescimento de sua sabedoria essencial. Neste sentido, o terapeuta jamais poderá colocar-se como guia ou condutor para um caminho que ele só passa a conhecer na medida em que o cliente lhe mostra.

Conclusão

Estar no Espaço do Silêncio é um tipo de atitude meditativa e, como tal, requer um treino que envolve um tipo específico de respiração e a manutenção do foco. Se esta condição for ativada com freqüência, o acesso a esse lugar será progressivamente mais rápido e natural.

Para o terapeuta, o Espaço do Silêncio representa uma condição de tranqüilidade, onde não cabem expectativas ou direcionamentos de espécie alguma. Na verdade, consiste numa dádiva para o terapeuta, pois o valor de seu trabalho deixa de estar associado a “fazer a coisa certa” junto ao cliente.

Apesar de ser um recurso essencial para ser usado na situação terapêutica, o Espaço do Silêncio vai, de fato, muito além. Estar neste lugar no contexto da vida cotidiana põe-nos a salvo das pressões do mundo externo que causam estresse e conflitos. Mais – este tipo de silêncio favorece a introspecção no indivíduo, uma atitude pacífica entre as pessoas e uma menor poluição energética no planeta. O Espaço do Silêncio é um espaço de descoberta e de saúde, que propicia a integração do ser humano (como entidade una e total) com a totalidade do universo, gerando uma condição energética amorosa e harmônica.

1 Este trabalho foi apresentado no Congresso Internacional do IIBA em Salvador (2003) e está publicado no volume 15 
do  Journal do IIBA ( 2005)
2 “ O conceito de Identidade Funcional …significa apenas que as atitudes musculares e as atitudes de caráter têm a mesma função no mecanismo psíquico : podem substituir-se e podem influenciar-se mutuamente. Basicamente não podem separar-se. São equivalentes em sua função”. (Reich, W  A função do orgasmo Ed. Brasiliense ,1977 – pp 230)
3 Walsh R.& Vaughn F. Além do ego – Ed.Cultrix / Pensamento – 1980,  pp33)
4 Basso, T &Pustilnik, A – O inconsciente emergente – Inst.Cult.Dinâmica Energética do Psiquismo – 2000-pp 18. 
5 (Idem pp 58).
6 (Ib,pp 60);
7 Vaughan, F.  Novas dimensões da cura espiritual , Ed Cultrix ; 1985
8 em Basso & Amaral  Dermatomos  Inst.Cult. Dinâmica energética do Psiquismo, 2000- pp. 66-80.
9 em Vaughan F , op.cit ; pp13
10 Pierrakos, J C – Energética da essência – Ed Pensamento, 1990; pp 27
11 Vaughan, F op.cit – pp20
12 Pierrakos, J C – op.cit. pp 84
13 – Basso & Amaral –op.cit. pp 77

REFERÊNCIAS

Basso, T & Pustilnik, A. (2000): O Inconsciente emergente- São Paulo (Inst. Dinâmica Energética do Psiquismo).
Einstein, A. – cit. em: Vaughn F. (1985) (Ed.) Novas dimensões da cura espiritual. (Ed.Cultrix / Pensamento).pp13
Goleman, D. (1980): Perspectivas em Psicologia, realidade e o estudo da consciência. In: Walsh R. & Vaughn F. (1980) – Além do Ego. (Ed.Cultrix / Pensamento), pp. 32 – 39.
Jung, C.G. (1971): Psychological Commentary on Kundalini Yoga, Zurich (Spring Publications).
Pert, C. (1999): Molecules of emotion – Touchstone. In: Basso, T. & Amaral, M. (2000): Dermatomos. (Inst. Cult. Dinâmica Energética do Psiquismo). Pp. 66 -84.
Pierrakos, J. C. (1990): Energética da Essência. – (Ed Pensamento).
Reich, W. (1977): A função do orgasmo – (Ed. Brasiliense).
Vaughn, F. (1985) (Ed.): Novas dimensões da cura espiritual.- (Ed.Cultrix / Pensamento). Pp. 19-36.