Psicoterapia em risco: o dilema da psicoterapia no momento atual, por Maê Nascimento

Este artigo pretende ser um alerta para todos nós, psicoterapeutas, para estarmos cuidadosamente atentos às enormes transformações deflagradas pela mutação cultural que ocorre no momento atual e seu impacto na dinâmica psíquica do ser humano. É um alerta, também, para nos prepararmos para os necessários ajustes a essa nova era. Descreve algumas das direções para as quais as forças culturais conduzem no momento, tornando o ser humano menos reflexivo e mais voltado para fora, mais impulsivo e com relacionamentos pobres e superficiais – consigo mesmo e com outros. Sugere, também, algumas medidas para restaurar a subjetividade e a conexão do indivíduo com sua real essência. Focaliza, ainda, a Bioenergética como um excelente caminho para atingir esse objetivo e conclama os terapeutas bioenergéticos para realizar os ajustes que se fizerem necessários. Como um exemplo dessa proposta, sugere que se enfatize ajudar a pessoa a ir em direção a seu interior, em compensação à tremenda força da realidade externa puxando para fora.

Prólogo

Permitam-me, como ponto de partida, descrever uma cena imaginária, que me veio à mente quando refletia sobre a função da psicoterapia, provocando uma avalanche de perguntas, associações e inquietantes questionamentos.
A cena que descrevo a seguir se refere a um recorte na vida profissional de um determinado psicoterapeuta, num intervalo entre um cliente e outro.

“Ele fecha a porta atrás de um cliente que se retira ao término de uma sessão, e é tomado de ansiedade e insegurança. Teria ele compreendido o verdadeiro motivo inconsciente que levara aquela mulher a aquele ato tresloucado? Teria sido correta a interpretação que ele lhe oferecera frente à manifestação intensa de angústia manifestada por ela na sessão?

E assim pensando, resolve compartilhar o momento e a dúvida com um de seus inúmeros colegas, aqueles de um círculo mais íntimo, com quem mais se permitia travar discussões a respeito das causas e efeitos dos movimentos inconscientes do cenário psíquico – os seus inclusive. Ainda tinha alguns minutos antes da chegada de outro paciente, por isso, resolveu pegar seu IPad e digitar um e-mail a um colega que conhecia bem o caso, expondo a situação e perguntando sua opinião. A mensagem dizia:
“ Caro Breuer, estou num momento crucial com Anna O. : ela teve, de novo, um ataque de angústia e eu fiz menção a seu pai… a reação dela foi estranha – você acha que me precipitei? Responda urgente, se possível em seu próximo intervalo!
Abraços. Freud ”.
E fechando seu IPad, foi abrir a porta a seu próximo cliente que acabara de chegar.”

Essa cena lhes parece verossímil?
Você consegue imaginar Freud, como o conhecemos, vivendo nos tempos de hoje ao invés de em sua época (fim do século XIX – início do XX)?
A resposta é : NÃO!

Não poderíamos abstrair o pensamento e o trabalho de Freud do contexto cultural e dos valores vigentes na época em que viveu.
A cena imaginária, no entanto, traz à tona a necessidade urgente de enfrentar e avaliar a enorme dimensão das atuais transformações culturais e de seu impacto sobre a personalidade do indivíduo e seu modo de vida.

II – Contextos gerais em mutação

1 – O Século XX

De maneira geral, podemos considerar o conhecimento como sendo uma função das necessidades, oportunidades e recursos do ser humano a cada momento da História. Conforme a dimensão desse conhecimento, o homem caminha em determinada direção, pensa dentro de determinado escopo e se comporta dentro de padrões específicos, que vão mudando ao longo do tempo.
Refletindo sobre isso, podemos constatar, mais uma vez, o quanto um pensamento é fruto de sua época e é restringido pelo nível de conhecimento de cada momento.

Voltando a Freud, por exemplo: tendo sido brilhante cientista, talentoso escritor e genial em suas descobertas, poderíamos imaginá-lo digitando suas teorias e cartas em IPads? Conceberia ele, no momento atual, uma teoria sobre o inconsciente? Explicaria a dinâmica psíquica através dos instintos e da repressão? Elegeria a sexualidade como o pilar central de nossa vida psíquica, ao redor do qual todos os mecanismos de defesa se ergueriam e, dependendo de como se estruturassem, confeririam à personalidade diferentes características?
A resposta, novamente, seria NÃO.

Não poderíamos separar sua teoria de seu contexto cultural: padrões de moralidade severos e restritivos, extrema valorização do pudor e do recato, ocultação do corpo, bem como de sua expressão e manifestação. Fatores determinantes na cultura eram, então, a proibição, o limite, a contenção.
Essas variáveis foram essenciais para que Freud descrevesse a dinâmica psíquica através da criação de conceitos como desejo libidinal, objeto do desejo e interdição em relação à satisfação do desejo – com a necessidade, então, de eliminação dessa “tensão” através da repressão ( e outros mecanismos de defesa). Os pilares de sua teoria como o inconsciente, a sexualidade, o desejo instintivo e a repressão condiziam perfeitamente com as características culturais acima descritas.
Naquele momento, as sociedades eram estanques, pois as formas de comunicação eram restritas, as informações demoravam a chegar de um lugar a outro e levava tempo para que as reações aos acontecimentos fossem conhecidas.

No plano sócio-econômico, havia uma sociedade patriarcal com pouquíssima mobilidade social: os homens ganhavam o dinheiro e ditavam as regras, Cabia às mulheres apenas e tão somente a função de gerar e cuidar da prole e do lar. Sabemos por quanto tempo essa condição de atraso subestimou e subutilizou a real competência das mulheres em lidar com tantos outros aspectos da vida, mas ouso afirmar que essa configuração familiar apresentava ao menos um efeito colateral positivo: propiciava às crianças a oportunidade de poderem contar com a presença da mãe por muito tempo e serem afetivamente mais bem nutridas E este fator, como se verificou em pesquisas posteriores sobre o desenvolvimento infantil, revelou-se como uma dimensão essencial no processo de desenvolvimento e no estabelecimento do grau de saúde psíquica do indivíduo.

Já a partir da década de 1960, as mudanças culturais começam a se acelerar e verdadeiras revoluções começam a ocorrer. Uma transformação fundamental diz respeito á liberdade sexual e, com ela, as mulheres passam a poder exercer um controle sobre o seu corpo, a liberdade de ter uma vida sexual ativa e de decidir sobre a escolha de parceiros, independentemente do casamento. Com este fator emergem um sentimento de auto-valorização e um desejo de autonomia crescentes. Nesse momento, a mulher sai de casa e, a partir daí, sua função de mãe de família e cuidadora do lar vai, aos poucos, deixando de ser prioritária. Novos horizontes se abrem, novas carreiras são criadas e desenvolvidas e novas aspirações passam a fazer parte do ideário feminino.

2 – O século XXI

À medida que aproxima o início do terceiro milênio, o desenvolvimento da tecnologia assume dimensões inéditas e os computadores passam a ter importância crescente, primeiro na vida corporativa e depois, na vida das pessoas. Também se inicia aí a era da globalização: por esta condição, todos os acontecimentos – as ações políticas, movimentos sociais, as descobertas científicas, enfim, tudo o que acontece pode ser conhecido, avaliado e respondido em “tempo real”. O mundo torna-se menor pelo acesso fácil e imediato às informações. Tudo fica exposto a todos; origina-se aí a fabulosa “aldeia global” conectada pela grande rede virtual, a Internet.
A conexão do indivíduo com a rede passa a ser uma espécie de mecanismo de inclusão/exclusão social, na medida em que todos se sentem compelidos a fazer parte de redes sociais e compartilhar entre si os assuntos do momento.
Na verdade, ninguém ousa não se enquadrar nesse sistema, pois, se o fizer, sentir-se-á excluído – e estará mesmo, se resistir ao consumo e à exposição.
Essa atitude de conformidade com todos, de possuir os objetos da moda, de falar o internetês (a linguagem da rede) restringe ao indivíduo a possibilidade de expressar sua subjetividade: pensamentos e atitudes desenvolvidos através de suas experiências no mundo, a essência que o torna único, não são valorizados no relacionamento com a aldeia global, onde todos se comunicam da mesma forma, falando sobre os mesmos assuntos.
As conseqüências dessas revoluções de costumes para o funcionamento psíquico, tanto do indivíduo como da coletividade, são enormes e ultrapassam o status de transformação, dando origem à “mutação cultural”. Este é o conceito desenvolvido por Charles Melman, eminente psicanalista francês, para descrever o atual movimento. Ele diz:

“Trata-se aqui, não de uma modificação progressiva e” natural” do funcionamento social, mas de uma transformação radical de dimensões inéditas: uma verdadeira “mutação cultural”… que parece desencadear uma “nova economia psíquica”. ( Melman, 2003, Pg 16 )

Essa nova economia psíquica está em total conformidade com um sistema econômico – o liberalismo, que prega a ausência de agentes reguladores para “pôr freio” aos novos impulsos humanos de aquisição e acumulação. O soberano é o mercado sem fronteiras, que trouxe consigo o abandono de valores e de referências até então transmitidos de geração para geração e a adesão a tudo o que oferece, prometendo satisfação plena.
A este propósito, diz Melman (idem pg 28)

“O ideal liberal não é favorecer o enriquecimento recíproco, liberando as trocas de toda referência reguladora? Encontra-se, assim, no seu princípio, uma relação dual, liberada de entraves, cujos efeitos aparecem manifestos na vida psíquica…. É verdade que a relação com um sistema em que o limite se encontra suspenso, facilita consideravelmente a tarefa. ”
( Melman , 2003,– pg 28)
.
Em face desse cenário cultural, questões fundamentais se colocam para nós, estudiosos do comportamento humano:
Se o que importa é o consumo massificado, a ser partilhado com os parceiros de rede, o que é feito da conexão do indivíduo com sua essência mesma?
Em que momento ele se dá conta do que sente e pensa em diferentes momentos da vida cotidiana? Pode esse momento, de um contato íntimo e profundo consigo mesmo, subsistir nesse sistema de vida?
As respostas só poderão surgir se nós mantivermos uma observação cuidadosa sobre o indivíduo sob as novas perspectivas.

III – Um Novo ser humano

1- O homem dirigido para fora

Essa “nova economia psíquica” mostra um homem com um funcionamento completamente diferente do homem que conhecíamos e estudávamos na Psicologia, até trinta anos atrás. Freud postulou a sexualidade como fenômeno central do psiquismo porque o sexo, em sua época, era proibido, escondido e reprimido; permeava todas as manifestações da pessoa, mas “guardado” no inconsciente; este era o reservatório de todos os desejos proibidos, que, reprimidos lá submergiam. Hoje, no entanto, o objeto do desejo não está mais no inconsciente, está na realidade!
Assim se refere Melman:

“Resta lugar para o inconsciente, num mundo em que a liberdade total de expressão, numa cena iluminada por todos os lados dispensa recalque? Na nova economia psíquica… o inconsciente não se apresenta mais como o lugar que guarda um tesouro, o lugar detentor de um gozo atrás do qual nos aplicamos em correr a vida toda. Doravante, esse objeto está no campo da realidade. ” (2003. Melman- pg40)

De acordo com essa visão, desapareceram os limites e se preconiza a satisfação de todos os desejos, a qualquer momento.
Desaparece a autoridade do pai, cuja função implicava em estabelecer limites e fronteiras. Ao contrário, o pai, hoje, é tratado como mais um amigo do grupo, papel a que muitas vezes se submete, imaginando que o deixa mais próximo dos filhos.
Melman descreve:

“A função do pai é privar a criança da mãe e, assim, introduzi-la nas leis da troca… É essa operação que prepara a criança para a vida social e a troca generalizada que a constitui, trate-se de amor ou de trabalho. Mas o problema do pai, hoje, é que não há mais autoridade, função de referência. Ele está só, e tudo convida, de qualquer modo, a renunciar à sua função e, simplesmente, participar da festa. A figura do pai se tornou anacrônica. ” (2003, Melman – pg 34)

O próprio gozo sexual deixa de ser o padrão de todos os outros gozos e passa a ser uma necessidade básica como a fome, a sede, etc.; o desejo sexual passa ser como qualquer outro e pode ser satisfeito através de qualquer dos objetos oferecidos pelo mercado.
Diz Melman acerca da situação atual:

“O progresso… é a fonte de uma enorme liberdade: nenhuma sociedade jamais conheceu uma expressão de desejo tão livre para cada um, uma facilidade tão grande para encontrar um parceiro… É evidente que cada um pode, publicamente, satisfazer todas as suas paixões, e além do mais, pedir que elas sejam reconhecidas, aceitas e até legalizadas – incluindo-se aí as mudanças de sexo. Uma formidável liberdade, mas ao mesmo tempo, absolutamente estéril para o pensamento. Também, nunca se pensou tão pouco.”. (idem pg 29)

Nossa cultura atual não cultiva o pensamento e a reflexão, mas sim a imagem, a aparência, tudo o que possa ser exibido. Exemplo disso é a infinidade de “reality shows” na TV (entre eles o emblemático Big Brother) e de vídeos colocados na rede, mostrando as pessoas em cenas da vida cotidiana, das mais banais às mais bizarras. Não há mais privacidade, pelo contrário: parece que a existência de uma pessoa só é legitimada se mostrada e aprovada pelos milhares de indivíduos (na grande maioria, anônimos) que assistem às performances postadas nas mídias virtuais e nas redes sociais (Facebook, Twitter, etc.).
Em vista desse quadro, outras questões se colocam:
Se tudo é exibido publicamente, onde estão nossas observações pessoais, pensamentos e emoções – tudo que a ação do outro provoca e que pode suscitar as mais diversas fantasias e sensações?
E aquilo que é exibido, representará realmente a pessoa que está por trás da performance? Quem é essa pessoa?
Além da perda da subjetividade e à exposição sem limites, Melman se refere, ainda, à perda do respeito e reverência também pelo sagrado. Ele fala a esse respeito quando comenta uma exposição sobre anatomia humana feita com cadáveres humanos que sofreram um processo de “plastificação”. Ele diz:

” Como com essa “arte anatômica”,trata-se agora de buscar o autêntico, em outras palavras, não mais uma aproximação organizada pela representação, mas de ir para o objeto mesmo. Se continuarmos nesta linha, o que marca esta mutação cultural é esse apagamento do lugar de esconderijo próprio a abrigar o sagrado, quer dizer, aquilo pelo que se sustentam tanto o sexo quanto a morte.” ( Melman, 2003, pg 20)

Com relação à perda do antigo significado do sexo e da ausência de limites, li recentemente nos jornais sobre um fotógrafo americano que fez uma exposição com fotos que ele tirou de sua mãe tendo relações sexuais com homens mais jovens – ela posou para ele.
O fato soa chocante e parece revelar um status completamente novo para o sexo na economia psíquica do ser humano, o qual, pelo menos neste momento, é absolutamente vago e inescrutável.
A falência dos limites e do proibido também se revela na violência de atos praticados para eliminar a frustração e o desconforto imediatos: num simples impulso, mães abandonam bebês na lata do lixo, filhos matam os pais que lhes colocam obstáculos à realização imediata de desejos, cônjuges assassinam parceiros que não se submetem a eles e assim por diante. O bullying, que é uma forma de violência que se alastra rapidamente, inclusive pelas redes sociais, também resulta dessa intolerância á frustração e às diferenças. Há uma dificuldade cada vez maior de respeitar as atitudes e escolhas dos outros e não há repressão; há o imperativo: “Eu quero e quero já” ; “Se você me atrapalha, eu te elimino” e assim por diante. A frieza emocional que gera uma violência cada vez maior pode ser mais uma consequência dessa perda de limites.

2- Consumo x satisfação

Outro elemento determinante nessa nova dinâmica de funcionamento humano é o dinheiro. Este passa a ter um papel central na vida das pessoas, mas não como no passado, como um valor correspondente às qualidades e recursos pessoais aplicados ao trabalho. Hoje, o foco está em duas funções principais que o dinheiro passou a exercer: consumo e acumulação.
Axel Capriles ,psicólogo junguiano e doutor em Ciências Econômicas lança, sobre esse tema, uma proposição ousada:

” O papel que, no século passado, desempenhou a sexualidade na psicologia de Freud foi usurpado, no mundo atual, pelo complexo do dinheiro.” ( Capriles, 2003, -pg 27).

Da mesma forma que é um objeto desejado, o dinheiro é o responsável por inúmeras disfunções emocionais da atualidade. As mais incríveis fantasias do indivíduo estão associadas à posse do dinheiro, pois é o que, na vida moderna, vai determinar “quem somos nós”. É através dele que se adquire toda sorte dos objetos impostos pelo mercado, mesmo quando não se precisa deles. Aliás, quanto mais objetos supérfluos o indivíduo puder comprar, maiores serão seu poder e prestígio e mais alto o seu status na escala social.
O homem dos séculos XIX e XX guiava sua produção a partir da tradição e por valores e princípios adquiridos desde cedo, baseados no bem-estar social. O homem atual guia sua produção pelo propósito de consumir e busca referências fora, na aprovação dos outros, fator de que depende para destacar-se no ambiente social.
Segue Capriles :

“Diferentemente do homem com orientação-interna , cujo comportamento era modulado por um conjunto de ideais internalizados, , o homem-dirigido-pelos-outros da moderna sociedade de consumo necessita urgentemente da aprovação e da orientação de seus contemporâneos” (Capriles, pag 81)

3 – O dinheiro e as novas patologias

É importante notar o quanto as pessoas estão comprometidas com esse novo modo de ser que acompanha o liberalismo O trabalho tornou-se o eixo central na vida das pessoas – não como fator de realização pessoal, mas como um meio de conquistar maior poder aquisitivo e, portanto, maior capacidade de consumo. Além disso, num mundo superpovoado e cada vez mais concentrado nos grandes centros urbanos, os itens de sobrevivência básica em grandes cidades (alimentação, habitação, saúde e educação) tornaram-se muito caros. Também pela enorme disputa que geram, os empregos são preciosos: devem ser mantidos a qualquer preço e esse preço inclui uma enorme dedicação de tempo e energia às exigências corporativas. Além disso, a deliberação feminina de “igualar-se” ao homem – em termos de carreira e de valorização no mercado e no meio social, teve como efeito fulminante a mudança estrutural e dinâmica da família. Homens e mulheres dedicam muitos anos de sua vida a investir em suas carreiras, e só pensam em ter filhos quando alcançam um patamar mais estável, já próximos dos 40 anos. Tornar-se-ão pais bem mais velhos e, além disso, lerão pouquíssima disponibilidade de tempo e energia (e de afeto), para dedicar à prole. O que se verifica, então, nas novas gerações é que muito cedo se entrega a prole a cuidadores profissionais (creches, berçários, etc.), mas a mãe, cuja interação com a criança deveria ser (ou era, até chegarmos a esta fase do liberalismo) peculiar e única, estará praticamente ausente, lutando por sua carreira e para ajudar a compor o orçamento da casa.
O pai, também estará ausente, cada vez mais mergulhado na tarefa de ganhar dinheiro e no esforço para não perder o emprego (eventualmente para alguém mais jovem).
O dinheiro tornou-se, então, não só a meta principal das pessoas, mas, também, o que se coloca como objeto intruso em todas as modalidades de relacionamentos; está presente, às vezes de modo silencioso, em contratos interpessoais e demarca territórios e fronteiras, podendo atuar como gatilhos ocultos a desencadear conflitos entre as pessoas (entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre amigos, etc.).
Diz Capriles:

“O dinheiro… é, de fato, o caminho de entrada mais direto para as zonas escuras da personalidade. Assim como Freud encontrou nos sonhos a via de acesso ao inconsciente, onde jaziam os traumas e os distúrbios sexuais, o complexo do dinheiro é a via reggia para a loucura humana.” ( Capriles, 2003, pg 131)

As posses inflam a imagem do ego, e delas passa-se a depender cada vez mais para se ser aceito e aprovado pela sociedade. O dinheiro é também fortemente associado à potência e à virilidade.
Sendo assim, sua falta se abaterá sobre o homem de modo devastador, provocando depressão profunda e queda vertiginosa na auto-estima. Essa é uma associação antiga, mas com a emancipação feminina, passou a atuar também sobre a mulher contemporânea, como o dever de se afirmar como um ser inteligente e capaz, através de seu desempenho no trabalho e de sua capacidade para ganhar dinheiro. Por isso, ela se vê pressionada a manter e exibir sua competência através da autonomia e independência econômicas, que também se tornaram fonte permanente de auto-valorização. Essa situação vai, é claro, repercutir no relacionamento familiar e ser fonte de inúmeras distorções no comportamento das crianças, Uma delas, por exemplo, vista com muita frequência, é a super-agitação, a hipercinesia – muitas vezes atribuída a uma patologia muito atual – TDAH ( Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e amplamente medicada pelos psiquiatras com ritalina, com o objetivo de acalmar.
O que essa distorção quer dizer? Melman tem uma teoria muito interessante a respeito. Ele considera que a mulher moderna investe toda a sua energia no trabalho, nas amizades, nas relações sociais e, assim sendo, não tem lugar para o filho dentro de si. A criança sente isso e põe-se a tentar ocupar todos os lugares.
Ele descreve:

“Quando se fala um pouquinho com essa mãe, percebe-se de maneira muito clara, que seu filho não tem nenhum lugar em sua economia psíquica. Pois ela organizou a vida de tal modo que nenhum traço de maternidade possa vir desorganizar os dispositivos que lhe convém, os que correspondem aos desejos de uma jovem mulher ativa, inteligente, socialmente interessante…. Ela faz o que é preciso, no entanto… se comporta como uma babá, uma boa babá. “ ( Melman, 2003– pg 99)

Reside aí, porém, a seriedade da situação: não se pode dizer que houve um real abandono do filho e do lar pela mulher. Ela aprendeu como fazer para que tudo funcione razoavelmente bem e as crianças sejam bem cuidadas. O que falta, no entanto, está relacionado com a distância emocional que será a marca da relação afetiva mãe e filho – e mais tarde, pai e filho. Até hoje, imaginava-se que as primeiras relações, em fases iniciais da vida, estabeleciam um modelo que implicava em e constância e continuidade. Como será daqui para frente?

IV- Implicações para a visão clínica e a psicoterapia

1 – Novos caminhos do desenvolvimento

Essas novas condições sócio-culturais nos levantam algumas questões que são cruciais para a visão clínica e a prática da psicoterapia. Por exemplo:
Como serão as crianças nascidas no terceiro milênio, em face dessas mudanças fundamentais na estrutura afetiva e familiar?
Como serão as crianças, filhos de casais homossexuais, de transexuais ou de inseminação artificial em “produção independente’ contando com só um dos pais? Que referências darão margem à formação da identidade e da subjetividade do indivíduo?
Como se desenvolverão esses bebês, que, praticamente logo depois de nascer, são entregues a cuidadores profissionais e que não poderão usufruir da interação especial com sua mãe para desenvolver um apego seguro?
A Neurociência tem afirmado, com base em pesquisas , que o cérebro humano tem uma fase inicial de desenvolvimento intensiva e especial que é decorrente da interação mãe x bebê nos primeiros meses de vida. Segundo o eminente neurocientista Allan Schore, as histórias de apego severamente comprometido são associadas com organizações cerebrais ineficientes no estado de regulação afetiva e no manejo do estresse, engendrando, assim, mau funcionamento na saúde mental do bebê. Ele diz:

“Tenho proposto, em uma série de contribuições, que a maturação das capacidades regulatórias adaptativas do cérebro direito depende de experiência, e que esta experiência está embutida nas relações de apego entre o bebê e o cuidador primário.” ( Schore, 2001b -pg 3)

Como se dará o desenvolvimento do cérebro dos bebês do terceiro milênio? Talvez eles até já nasçam com habilidades bastante desenvolvidas para lidar com computadores cada vez mais complexos (tem-se observado que as crianças operam aparatos tecnológicos cada vez mais cedo e com maior destreza).
Mas o que será da habilidade relacional, do sentimento gregário (inato no ser humano), do aprendizado de estar no mundo como um ser diferenciado – o que será de tudo isso na ausência de vínculos significativos que dêem ao indivíduo uma referência de si mesmo? E que lhe dêem noção de sua individualidade e de sua capacidade de se relacionar?
Quais serão as consequências, a longo prazo, da diluição da autoridade paterna e portanto dessa ausência de regras e limites?
Que caminho trilharão jovens e adultos do terceiro milênio, que se relacionam cada vez mais com amigos virtuais, através das redes sociais, (Facebook, Twitter)’ mas que possuem cada vez menos relacionamentos reais, com tudo o que isso implica – lidar com as diferenças, tolerar as frustrações, enfrentar e resolver conflitos e até compartilhar amor e afeto?
O que parece é que as pessoas estão cada vez mais sozinhas, e isso pode acarretar conseqüências nefastas para o progresso do ser e da alma.
Esta parece ser também a visão de Daniel Siegel, fundador do campo de estudos da Neurobiologia Interpessoal e do Instituto Mindsight, ao responder a uma pergunta do público em sua Newsletter de Março/ de 2013.

Pergunta: Como a Internet e nossa era digital estão afetando a mente humana?

Siegel: “Em nossa recente reunião no congresso Wisdom 2.0, em São Francisco, nós abordamos essa questão discutindo o quanto os indivíduos estão conectados de modos que não propiciam um senso profundo de serem vistos e sentidos por outros. Dessa forma, de acordo com as palavras de Sherry Turkle, “estamos sozinhos juntos” e ironicamente as pessoas se sentem mais isoladas que nunca. A Neurobiologia Interpessoal (IPNB) considera que a mente é tanto um processo incorporado quanto relacional; portanto, essas comunicações restritas estão, não apenas formatando a mente como também criando um modo de vida com foco no exterior, que pode criar em nosso mundo mais estresse, menos significado e mais solidão . No congresso, tentamos buscar caminhos criativos para alterar essa tendência e ajudar a mente e nossos relacionamentos a se tornarem mais integrados. ” (Siegel,D. 2013)

2 – Algumas formas clínicas atuais

Foge do escopo deste trabalho listar e descrever todos os novos quadros clínicos. Gostaria, porém, de citar aqui duas patologias bem conhecidas que adquiriram atualmente características totalmente diferentes dos conceitos clássicos com que eram descritas no passado.

I – Depressão

A depressão era associada à perda de valor aos olhos do outro, perda essa relacionada com o quanto a pessoa atendia a expectativa do ideal, colocada no outro e era amada por esse outro.
Hoje a situação é diferente: o sentimento de dignidade humana que antes era ligado ao valor contido em suas qualidades, hoje está ligado ao valor mercantil. Quer dizer, o valor do indivíduo está em seu poder de compra e de consumo e sua auto-estima está diretamente relacionada ao nível dessa capacidade.
Assim se refere Melman:

“A particularidade dos intercâmbios econômicos faz com que o valor comercial de cada um esteja submetido a circunstâncias aleatórias, que não dependem das próprias qualidades. Por exemplo, aparece uma nova tecnologia e todo o meu talento e minha especialização não servem para mais nada… hoje devo lutar permanentemente para que seja reconhecido meu valor, isto é minha participação nas trocas sociais, comerciais e mercantis. É por isso que hoje em dia as depressões são tão numerosas”. (Melman, 2002 – pg 98)

II – Histeria

A forma clássica de histeria, que é muito rara atualmente, é caracterizada por claras e complexas manifestações somáticas, originadas por uma demanda reprimida impossível de ser satisfeita.
A forma de histeria que hoje é muito comum privilegia toda a parte teatral e espetacular do comportamento histérico. Melman diz:

“Há, assim, na clínica tradicional da histeria, uma teatralidade que encontramos hoje nesta vocação moderna de entrar e participar no mundo do espetáculo… o objetivo é mostrar que qualquer um pode se tornar um elemento que figure no espetáculo e se torne artista.” Melman, 2002, pg102)

Uma forma de histeria que também se tornou comum é a histeria coletiva.

“Ela tem início na existência de sujeitos que justamente não são reconhecidos como tais que, compartilhando do mesmo sofrimento, constituem um grupo que fará ouvir a voz única de uma reivindicação…” (Melman, 2002, pg 104)

Podemos constatar novamente nessa breve descrição das patologias o apagamento da subjetividade e a pouca relevância das qualidades intrínsecas do indivíduo.

3 – Transformações na visão clínica

Frente a mudanças tão radicais, a psicoterapia também precisa ser reavaliada. A concepção que tínhamos como sendo um longo processo de auto-conhecimento e de lentas transformações talvez já não seja adequada para o momento atual, onde tudo é muito rápido e focado – e é essa a expectativa do cliente, quando nos procura. Por outro lado, uma vez que trabalhamos pela conexão do indivíduo com um espaço interno privado, que o leva a sentir-se “em casa” e que o define como “si mesmo”, não

podemos compactuar com a superficialidade e a falta de subjetividade e perspectivas, características da sociedade atual. Devemos ajudar o indivíduo a recuperar o uso de suas capacidades intelectuais e de suas experiências de vida para refletir, criar e escolher e não somente para consumir, imitar e ansiar pela aprovação dos outros como condição para existir.
Com relação a esse tema, Melman faz uma afirmação em relação à psicanálise, mas que pode ser generalizada para todos os enfoques psicoterapêuticos. Diz ele:

“O desafio é muito simples: consiste em saber se somos capazes de preservar aquilo que é característica da humanidade, isto é, a possibilidade de análise, reflexão e escolha de suas condutas em meio a uma mutação cultural que se apresenta imperativa em relação às condutas e deixa pouco lugar à escolha e à reflexão.” (Melamn, 2002 pg13.)

V – Novas proposições para a Bioenergética

O grande diferencial das psicoterapias corporais em geral, e da Bioenergética em particular, é a sua visão integrativa mente-corpo, a construção e a expressão da personalidade em ambos os níveis – psíquico e corporal – caracterizando a unidade funcional, conceito criado por W.Reich* .
A partir dessa visão de funcionamento humano, podemos dizer que o significado da saúde, nessa abordagem, tem a ver com um funcionamento harmônico nos aspectos psíquico e somático, uma integração desses processos em torno da expressão mais pura da essência do indivíduo -seu self , único e exclusivo.
Alexander Lowen diz:

“A terapia bioenergética combina o princípio de uma atividade ao nível somático com um procedimento analítico, ao nível psíquico. A unidade do método é garantida pela atenção ao caráter, que expressa tanto os aspectos psíquicos como somáticos da personalidade. ” ( Lowen, 1977 -Pg 52)

É importante ressaltar que Lowen, assim como seus contemporâneos, trabalhava com conteúdos reprimidos como matéria prima para desvendar o que havia por trás de bloqueios e limitações em seus clientes. Assim, ele pregava a “libertação” de um corpo aprisionado pelas tensões provocadas pela repressão, através da restauração do fluxo natural da energia. Para isso, criou exercícios para ajudar a pessoa a expressar suas mais profundas emoções e sentimentos: gritar, chutar, espernear eram algumas das expressões que ajudariam nessa liberação.
No entanto, se no século XX, até os anos 60-70 (portanto, na época em que Lowen criou a Bioenergética) o corpo trazia as marcas da repressão, no terceiro milênio passa a expressar algo bem diferente. Em conformidade com a corrente do liberalismo a que nos referimos anteriormente, o corpo expressa a ausência de limites e fronteiras. Ele é exibido sem pudor algum e participa do novo funcionamento humano que busca satisfação e aprovação externa o tempo todo. O problema é que, aqui, tudo o que importa é o que está no exterior, na imagem, na aparência. O corpo “perfeito” é, então, aquele que tem o padrão estético exigido pela moda do momento e que obedece às leis do consumo. Ele é construído de fora para dentro através das dietas (que mudam rapidamente para que o consumo não pare nunca), do “body building” que define os parâmetros da forma ideal; das cirurgias plásticas que acenam com a realização última do corpo sonhado – tudo isso, imposto pela voracidade do mercado. Como poderíamos acreditar, então, que esse corpo, aparentemente “livre”, expressa o verdadeiro Self da pessoa se os mandamentos básicos para sua “construção” são impostos por quem lucra com o que esse corpo possa consumir?
O problema é que o indivíduo não parece habitar seu corpo e não reconhece como seus emoções e sentimentos que emergem de algum lugar que ele não localiza. Ele age cada vez mais, como a casca de um indivíduo esvaziado de sua subjetividade única.
Portanto, se no passado o corpo era impedido de livre expressão pela repressão, hoje, ele expressa algo vago, sem identidade, sem um autêntico significado.
A desconexão da pessoa com seu self ou essência é cada vez maior, e quando ela se sente mal ou infeliz, busca na “casca” as razões desse sofrimento e as soluções, em novas receitas do mundo das ilusões. Desnecessário dizer que essa pessoa estará cada vez mais infeliz e não melhorará a menos que se aprofunde em si mesma – e para isso tem que conectar-se com seu Ser interior.
Como, então, abordar o corpo? Como ajudá-lo a buscar sua autenticidade e, daí a sua expressão verdadeira?

VI – O Homem dirigido para dentro

1 – Recuperando o mundo interno antes de abordar a expressão

Pode parecer um paradoxo sugerir que a pessoa se volte para dentro a fim de conseguir se expressar, mas se ela não mergulhar dentro de si, como se reconhecerá e expressará verdadeiramente a si mesma?
O corpo pode ser um excelente veículo para isso e a Bioenergética oferece uma vasta gama de possibilidades.
Recordemos, agora, o que todos os terapeutas bioenergéticos sabem muito bem: há dois elementos fundamentais na psicoterapia bioenergética, que devemos considerar sempre que pensamos em fazer uma intervenção no plano corporal: o grounding e a respiração. Eles devem ser sempre focalizados, já que se deseja que o cliente entre em contato com seu corpo, seus sentimentos e emoções. Entre os conceitos propostos por Lowen um dos mais importantes é o de grounding, que descreve uma condição em que a pessoa está conectada à realidade. Ele afirma:

“Começamos com as pernas e pés porque constituem as bases e o apoio da estrutura do ego. Mas elas têm outras funções. É através de nossas pernas que mantemos contato com a única realidade invariável de nossas vidas: a terra ou o chão.” (Lowen,1977 – pg 101)

O grounding é uma condição fundamental quando se faz um trabalho corporal, pois ele é responsável por manter o cliente conectado com o mundo interno, de um lado, e com a realidade externa, de outro. Ao trabalharmos no plano energético, esse enraizamento é essencial para que, seja qual for o resultado do trabalho, o cliente reconheça a experiência vivida ali como sua e possa elaborá-la.
Outro elemento essencial que deve ser focalizado é a atenção à respiração, pois nela estão implicadas as maiores distorções do contato do indivíduo consigo mesmo. Justamente por isso e para mover a energia que está imobilizada, a atenção do cliente sobre a respiração deve ser sempre enfatizada.
É claro que, até aqui, não há novidades para nós, psicoterapeutas bioenergéticos. Há, no entanto, um fator que, a meu ver, deveria ser reavaliado: embora as proposições de Lowen permitissem ao cliente tomar contato com seus sentimentos, elas enfatizavam basicamente a expressão desses sentimentos, e isso está claramente implicado nos exercícios criados por ele. Essa visão pode ser vista como absolutamente compatível com as circunstancias de sua época, quando a linguagem do corpo era severamente restringida por imposições morais. Entretanto, considerando as radicais mudanças culturais por que passamos, talvez devêssemos abordar o corpo a partir de outra perspectiva. Nos tempos atuais, a personalidade (e claro, o corpo) tem sofrido distorções advindas de excessivas exposição e focalização da aparência – estando o individuo, portanto, quase que totalmente voltado para fora (de si mesmo). Por essa razão, penso que a ênfase, agora, deveria ser redirecionada no sentido oposto, ou seja, permitir que a pessoa vá do exterior de volta para o interior, para seu verdadeiro self. Só quando se tiver certeza de que a pessoa teve restaurada a conexão consigo mesma, é que podemos pensar em levá-la a se expressar. Assim, esse seria o sentido adequado da intenção e da energia: fazer o movimento para dentro e, só depois, de dentro para fora. Considero que este seria o movimento espontâneo e cíclico no funcionamento natural do ser humano.

2 – Dois Toques para Restaurar a Conexão com o Mundo Interno

Justamente com essa finalidade, gostaria de introduzir em seguida, dois toques corporais, criados e utilizados na Escola da DEP (Dinâmica Energética do Psiquismo), uma abordagem que tem como objetivos a expansão da consciência e da espiritualidade num funcionamento integrado e unitário, que abrange todas as dimensões do ser humano, saindo da identificação com o ego e aumentando o contato com o self pessoal. Theda Basso, fundadora dessa escola, afirma:

“O terapeuta faz o toque com a intenção consciente de irradiar energia para ajudar o cliente em seu processo de mover a energia, ao mesmo tempo em que lhe solicita a percepção consciente de seu fluxo energético, em especial, as sensações”. (Basso, & Pustilnik, 2001, DEP pg39)

I. Toque lombar

O terapeuta deve se posicionar ao lado de seu cliente, para que possa observar suas reações e perguntar, ocasionalmente, o que está ocorrendo.
Consiste em, com o cliente em grounding, tocar com os dedos anular e médio (com a palma da mão e os outros dedos apontando para baixo) na zona lombar da coluna vertebral, entre a quarta e quinta vértebra. Pede-se ao cliente que respire e isso o ajudará a manter-se atento ao que acontece dentro de si. (Anexo 1)

“É um toque físico, … que alcança o fluxo energético via sistema nervoso, e não via estrutura óssea protetora ou camada muscular… O toque lombar atua sobre o sistema nervoso autônomo, ativando a energia, e por ressonância, o sensorial e o emocional. Ativa o períneo e o centro Hara , favorecendo o grounding interno e o mergulho dentro de si mesmo”. (DEP, 2001 pg 49-50)

II. Toque cervical

Consiste em, no cliente em grounding, tocar muito leve e suavemente, com o dedo médio, a base da nuca, no forame occipital, logo antes da primeira vértebra cervical.
(Anexo 1)

“Este toque é feito com intenção consciente de ativar o parassimpático craniano que inerva os braços, pulmões e coração. Seu objetivo é relaxar o controle da mente egóica, a fim de que o ser possa mergulhar e ter mais consciência de si. ” (DEP, 2001 pg 57)

É importante que, ao fazer o toque, o terapeuta fique atento à posição de sua mão, cuidando para que ela esteja voltada na mesma direção do fluxo de energia (em ambos os casos, para baixo).
Embora se possa usar qualquer um dos toques descritos, dependendo do que o cliente está vivenciando no momento, um parâmetro para selecionar um deles está na necessidade do cliente, conforme seu padrão de manifestação da carga energética.

“Para o cliente com alta carga manifesta, que se posiciona na defesa e não faz a entrega, os toques indicados são aquele que ativam o parassimpático, inibidor da ação e promotor de expansão e relaxamento… Para o cliente com baixa carga energética, que costuma entrar em descarga emocional ou colapsar, são indicados toques que ativem o simpático, a fim de favorecer o grounding interno e a auto-sustentação na vivência da experiência.” (DEP, 2003 pg 63)

A razão para a escolha dessas técnicas de trabalho energético, é que elas criam uma natureza inicialmente introspectiva, isto é, elas propiciam que o cliente encontre e focalize a energia que precisa ser trabalhada, sem nenhum direcionamento por parte do terapeuta. Isso é especialmente importante nos tempos atuais, aonde todo imperativo relativo às condutas da pessoa vem do mundo externo, sem que ela tenha muita chance de avaliá-las e escolhê-las. Esperamos que esse caminho deixe ao indivíduo todo espaço para ser ele mesmo, com interferência mínima do terapeuta.
Não podemos esquecer, também, que o trabalho do terapeuta é duplo: o que se refere ao cliente e o que se refere a ele próprio. Em todo atendimento, ele deve estar verdadeiramente presente durante todo o tempo em seu estado de escuta e observação isentas, sem interferências, isto é, em seu espaço do silêncio.
Num artigo anterior, explorei a receptividade do terapeuta ao processo do cliente sem tentar controla-lo e/ou direcioná-lo.

“O espaço do silêncio deverá ser ativado de modo consciente pelo terapeuta. Para isso, ele deve focalizar sua atenção na respiração, no percurso do ar pelas costas através da medula espinhal… Depois de alguns minutos fazendo essa respiração, o fluxo habitual de pensamentos (da instância mental, do Ego) dá lugar a um espaço progressivamente mais silencioso e livre de interferências. Surge aí um espaço vazio, disponível para acolher toda informação que emerge a partir da relação terapêutica. Como esse fluxo não está sob comando do Ego, a percepção resultante é muito mais abrangente e isenta. ” (Nascimento, 2005, pg50)

VII – Conclusão

Este trabalho teve o objetivo de focalizar as grandes transformações dos tempos atuais e a implicação dessas transformações para o enfoque clínico e para a psicoterapia. É claro que ele contém muito mais perguntas do que respostas, o que pode nos causar certa inquietação. Porém, se quisermos acompanhar o ser humano através de seus novos caminhos, devemos reexaminar nossos conceitos e estar abertos para realizar as mudanças que se fizerem necessárias no campo do nosso conhecimento e da nossa prática profissional.
Embora a Bioenergética seja uma ótima abordagem terapêutica, devemos cuidar para que ela seja sempre revista e ajustada em face de novas circunstâncias. Portanto, devemos estar abertos para criar novas alternativas que ajudem e facilitem o trabalho com o corpo e a relação com o cliente.
Algumas descobertas de Lowen (como o grounding) são fundamentais agora e, provavelmente, o serão sempre. Entretanto, ao introduzirmos na Bioenergética, inovações compatíveis com as transformações no mundo, estaremos honrando seu fundador e contribuindo para que ela esteja presente e atuante entre as principais abordagens psicoterapêuticas corporais.
Nosso grande desafio, enquanto estudiosos do funcionamento humano e psicoterapeutas é descobrir como podemos contribuir para que o ser humano possa recuperar e preservar aquilo que de mais importante e peculiar ele tem: a capacidade de refletir, de se relacionar e de fazer escolhas.

REFERÊNCIAS

Basso, T & Pulstilnik, A – 2001 – Metodologia – São Paulo, Instituto Dinâmica Energética do Psiquismo

Capriles, A.- Dinheiro: Sanidade ou Loucura? – 2003. São Paulo. Ed. Axis Mundi

Lowen, A – 1977 -O corpo em terapia – São Paulo – Ed Summus

Melman, C. – 2003 – O homem sem gravidade. São Paulo, Ed. Companhia de Freud

Melman, C – 2002 – Novas formas clínicas no início do terceiro milênio – Porto Alegre, CMC Editora

Nascimento, M – 2005, – Bioenergetic Analysis (15) – Germany – Psychosocial Verlag

Schore, A. – 2001b – The effects of early relational trauma on right brain development, affect regulation & infant mental health – Article in the internet Originally published in Infant Mental Health Journal, 2001, 22

Siegel, D. – 2013, March Newsletter